terça-feira, 2 de setembro de 2014

Desconforto sadio

"Quando uma águia vai ter filhotes ele vai ate o pico mais alto de uma montanha e constrói o seu ninho.

A mãe águia constrói seu ninho com gravetos, e depois forra em cima dos gravetos com penas e folhas para

as pontas dos gravetos não machucarem seus filhotes.

Quando os filhotes nascem à mãe águia traz todos os dias o alimento dos filhotes para que eles cresçam saudáveis.

Quando os filhotes vão crescendo a mãe águia tira todas as penas do ninho e deixa apenas os gravetos para que aquele

ninho não seja mais um lugar de conforto para seus filhotes.

A mãe águia coloca então o seu filhotinho na beirada do ninho e o empurra para o precipício, assim para que ele perca o medo e voe.

Quando a mãe vê que o seu filhote esta quase chegando ao chão ela o pega com suas garras e o leva para o ninho de novo.

Só que a mãe águia não desiste ela faz o mesmo procedimento sem cessar ate que o seu filhote aprenda a bater as asas e a voar sozinho."

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Bucomaxilofacial



Hoje eu arranquei um dente siso com um profissional muito bom: Marcelo Botelho. Pra quem não sabe o nome do profissional que faz este procedimento é Bucomaxilofacial.

Depois da retirada do dente que durou uns 20 minutos (no máximo) fiquei refletindo sobre aquela profissão: cirurgião bucomaxilofacial. Fiquei pensando o que deve ter motivado aquele homem a exercer tal função. Fiquei pensando: “será que ele não cansa de arrancar dentes?”,“será que ele tem desafios nesta profissão?”, “será que ele é feliz?”, essas perguntas típicas que se fazem nas empresas, rs.

Bom, se ele não for feliz, pelo menos deve ganhar bem nesta atividade. Afinal muitos precisam de um bucomaxilofacial pelo menos umas  4 vezes na vida. E esta é uma atividade que requer estudo, especialização, um investimento que tem q ter seu retorno. Ok, ok. Ele poderia ser um assessorista, ou um auxiliar de serviços gerais daquele prédio no qual trabalha, mas a vida ou seus pais lhe deram a oportunidade de estudar e ser o tão famoso “alguém”. (Vá estudar para ser alguém na vida, meu filho – talvez ele ouvisse da sua mãe)

Bom, onde quero chegar? Nem eu sei direito. Mas essa breve reflexão me fez lembrar de uma visitante que recebi em minha casa, de outra cidade, que veio para um congresso batista sobre vocação. Ela está beirando seus 40 anos, é empregada doméstica e tem um olhar um pouquinho triste. Outra pessoa que recebi é a ministra de louvor da igreja dela, uma jovem de seus 28 anos,  que estudou música e fonoaudiologia, proveniente de uma família estruturada. Esta jovem disse em um determinado momento da nossa conversa que não queria se propor a fazer nada se não fosse para fazer com excelência.

Minha reflexão consiste em: será que alguém que trabalha para ganhar o salário mínimo e garantir sua sobrevivência tem condições de pensar em excelência, em vocação? Acho que fazer o que se gosta ou trabalhar no que se tem a tão famosa vocação é privilégio de alguns, não todos.  Isso não quer dizer que não acredite que quem ganha um salário mínimo não tenha chances de estudar ou trabalhar mesmo e lutar para ganhar mais, para se desenvolver em seus talentos, não! Mas há de se convir que as possibilidades para os dois tipos de pessoas não são tão iguais.

É aí que penso nas palavras de Jesus: “A quem muito é dado, muito será cobrado”, cobrado (creio eu)  no repartir do dinheiro, dons, amor, sorrisos, sonhos e visão. Se sou rico em algum destes pontos ou em todos, serei cobrado sobre a multiplicação destes “talentos”, o uso que faço deles.

Lembro também sobre algo que ouvi de um dos preletores do congresso sobre vocação. Ele mencionou um autor ateu: Luc Ferri (No livro: “aprendendo a viver”) que diz que o princípio de igualdade entre os homens veio do cristianismo.

Este assunto dá pano pra manga. Mas minha reflexão por hoje é esta.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Cultivar a alegria de cada dia

 
" Um elemento que caracteriza a alegria é o facto dela não nos pertencer. É pessoalíssima, é completamente nossa, identifica-se connosco, mas não nos pertence. A alegria não nos pertence. A alegria atravessa-nos. A alegria é sempre um dom. A alegria nasce do acolhimento. A alegria nasce quando eu aceito construir a minha vida numa cultura de hospitalidade. Se insonorizo o meu espaço vital, se impermeabilizo a minha atenção, a alegria não me visita. A alegria é um dom da amizade acolhida.
A alegria não é programada. Não posso, por exemplo, dizer: daqui a um minuto vou-me rir. Não sei quando é que me vou rir. A alegria é um dom que me visita na surpresa, no não anunciado. E nesse sentido tenho de viver em hospitalidade. O meu coração é uma soleira, uma porta entreaberta. A minha vida vive do acolhimento amigável. Temos de adquirir uma porosidade, deixarmo-nos tocar, deixarmo-nos ligar pelo fluxo reparador da vida.
Há um filme de Ingmar Bergman em que uma personagem é uma rapariga anoréxica - e sabemos como a anorexia é uma forma de desistir da própria vida, de desinvestir afetivamente. A rapariga vai falar com um médico e ele diz-lhe isto, que também vale para nós todos: «Olha, há só um remédio para ti, só vejo um caminho: em cada dia deixa-te tocar por alguém ou por alguma coisa.» A alegria é esta hospitalidade.
Os dias sem alegria são completamente sem memória. Chegamos ao fim não lembramos um único gesto, uma única fase, um único encontro, uma única ação, não temos nada para contar. Tive de ver e de escutar muitas coisas, e de estar entre muita gente, mas não quis nada daquilo nem daqueles; não permiti que existisse um trânsito, um retorno; não abri o meu coração ... Há que transformar a nossa vida no sentido da hospitalidade. A amizade ensina-nos isso.
Não há alegria sem inocência. Mas inocência naquele sentido que apontava a escritora Cristina Campo: «Nós não nascemos inocentes, mas podemos morrer inocentes.» A inocência da infância espiritual é aquela inocência com a qual e pela qual podemos morrer: a inocência de um coração simples; da gratuidade; da confiança.
Se não tenho um coração de criança não sou herdeiro do Reino de Deus. Isto é, não sou herdeiro do reino da vida, não vejo cintilar, não vislumbro. E aqui, as crianças são exemplares porque elas entretêm-se com os pequenos nadas, que no fundo são as coisas mais sérias, as coisas donde colhem a luz. E nós precisamos disso. Precisamos dessa infância. De descobrir infâncias dentro de nós. Não é por acaso que todos os amigos são amigos da infância, mesmo aqueles que fazemos pela vida fora. A principal infância a testemunhar é essa futura.
Em vez de crescermos na severidade, na intransigência, na indiferença, no sarcasmo, na maledicência, no lamento, caminhemos suavemente no sentido contrário. Cresçamos na simplicidade, na gratidão, no despojamento e na confiança. A alegria tem a ver com uma essencialidade que só na pobreza espiritual se pode acolher."

José Tolentino Mendonça
In Nenhum caminho será longo, ed. Paulinas

segunda-feira, 10 de março de 2014

Humildade

"Homens e mulheres que, na Europa, poderiam escolher seu próprio círculo de amigos, acham difícil suportar e amar e manter a uni­dade do Espírito no vínculo da paz por estar próxi­mos de outros com mente incompatível. E aqueles que deveriam ter sido companheiros e ajudadores da alegria uns dos outros se tornaram um obstáculo e um enfado. E tudo pela única razão: a falta da humil­dade que se considera nada, que se regozija em tornar-se e ser considerada como a menor, e busca ape­nas, como Jesus, ser o servo, o auxiliar e confortador de outros, até dos mais fracos e mais indignos."

Andrew Murray em Humildade a beleza da Santidade

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Ballet e Dependência


 
Entrei no ballet depois de mais "velha". O que tem sido motivo de alegria.

Apesar de estar um tanto perdida em relação a turma, encontro satisfação em fazer ballet e não quero parar.
:-)


Na última aula percebi algo curioso. A professora pediu para ficar parada em um determinado passo (que esqueci o nome), no qual ficamos na meia ponta, e precisamos manter o equilíbrio para não cair - o objetivo é tirar a mão da barra e se manter com os dois pés na meia ponta, com a mão para o alto, como na figura desse post - e não cair. O que ocorreu é que ela pediu para fechar os olhos nesse passo. Para minha surpresa, manter-se equilibrada com os olhos fechados é mais fácil do que com os olhos abertos. Eu achava, erroneamente, que acontecia o contrário. Mas não, a lógica do equilíbrio é outra.
 
Na mesma hora lembrei de um texto que li ontem mesmo pela manhã:


"Então Satanás se levantou contra Israel, e incitou Davi a numerar a Israel.

E disse Davi a Joabe e aos maiorais do povo: Ide, numerai a Israel, desde Berseba até Dã; e trazei-me a conta para que saiba o número deles.
Então disse Joabe: O SENHOR acrescente ao seu povo cem vezes tanto como é; porventura, ó rei meu senhor, não são todos servos de meu senhor? Por que procura isto o meu senhor? Porque seria isto causa de delito para com Israel.
Porém a palavra do rei prevaleceu contra Joabe; por isso saiu Joabe, e passou por todo o Israel; então voltou para Jerusalém."
(...)
"Então disse Davi a Deus: Gravemente pequei em fazer este negócio; porém agora sê servido tirar a iniqüidade de teu servo, porque procedi mui loucamente.
Falou, pois, o Senhor a Gade, o vidente de Davi, dizendo:
Vai, e fala a Davi, dizendo: Assim diz o Senhor: Três coisas te proponho; escolhe uma delas, para que eu ta faça.
E Gade veio a Davi, e lhe disse: Assim diz o Senhor: Escolhe para ti,
Ou três anos de fome, ou que três meses sejas consumido diante dos teus adversários, e a espada de teus inimigos te alcance, ou que três dias a espada do Senhor, isto é, a peste na terra, e o anjo do Senhor destrua todos os termos de Israel; vê, pois, agora, que resposta hei de levar a quem me enviou."
(...)
"E Deus mandou um anjo a Jerusalém para a destruir; e, destruindo-a ele, o Senhor olhou, e se arrependeu daquele mal, e disse ao anjo destruidor: Basta, agora retira a tua mão. E o anjo do Senhor estava junto à eira de Ornã, o jebuseu."
(...)
"E disse Davi a Deus: Não sou eu o que disse que se contasse o povo? E eu mesmo sou o que pequei, e fiz muito mal; mas estas ovelhas que fizeram? Ah! Senhor, meu Deus, seja a tua mão contra mim, e contra a casa de meu pai, e não para castigo de teu povo.
Então o anjo do Senhor ordenou a Gade que dissesse a Davi para subir e levantar um altar ao Senhor na eira de Ornã, o jebuseu."
 
1 Crônicas, 21
 

Natural para Davi era pedir o número do povo, para saber com quem ele podia contar e não andar às cegas.

Mas fato é que disso Deus não se agradou, pelo contrário, se irou contra a atitude do coração de Davi. Davi estava confiando em homens e não no Seu Deus.

Relacionei o texto com minha experiência com o passo do ballet. Não foi natural p/ mim manter-me com os olhos fechados e ainda assim, manter o equilíbrio. Talvez a natureza do homem carnal não seja a dependência de um Deus invisível. Mas a única maneira de agradá-Lo é caminhando às cegas (muitas vezes), à luz da Sua orientação, em Sua dependência.

Concluo, portanto que, a solução p/ mim é o assassinato do meu eu que insiste em acreditar que sabe o que é melhor para si. O homem carnal/natural que ainda vive dentro de mim precisa morrer p/ que Ele cresça e me faça viver por fé e não por vista, no equilíbrio do Seu Reino, da Sua lógica, dos Seus caminhos e não dos meus.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Dores = ferramentas

Ele é Deus

 

 

Rose Nascimento

Deus trabalha diferente do homem, Ele sabe agir
Tem nas mãos o controle de tudo aqui
Ele vê muito além do que o homem vê
Ele fez prisioneiro ser governador
Fez menino pequeno ser um vencedor
Nas batalhas em que grandes guerreiros estavam com medo.

Ele fez moça pobre sentar-se num trono real
Pra salvar o seu povo de um homem mau
Ele chamou um leigo pra ser pregador
Escolheu a cidade menor que havia
E uma simples jovem chamada Maria
Pra nascer o Salvador do mundo numa estrebaria.

Deus levanta do monturo o necessitado
E assenta num lugar seguro e elevado
Deus escolhe o humilde, mas abate quem é exaltado
Capacita o pequeno e confunde o grande
Faz o fraco ficar forte, cheio de poder
Deus é Deus! Ele não vê o homem como a gente vê.

E quando o crente esta debaixo da unção de Deus
Ele ora e o milagre vai acontecer
Deus opera na simplicidade com muito poder
Deus trabalha diferente, usa como quer
Só precisa de um coração que tenha fé
Quem se humilha na Sua presença Ele coloca de pé.

Deus trabalha diferente do homem, Ele sabe agir.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Vista cansada



Otto Lara Resende

Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.

Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 23 de fevereiro de 1992.